Toda vez que uma operação de grande escala explode nas favelas cariocas — como a que deixou mais de cem mortos nesta semana — há outro movimento, silencioso e distante: o reforço da vigilância e das transferências de lideranças criminosas para o presídio federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte.
Essa geografia da repressão é pouco mostrada, mas revela muito sobre como o Estado brasileiro administra suas crises.
Quando o campo de batalha é o morro, o contragolpe se dá nas rotas aéreas que levam presos para o interior potiguar — um exílio interno onde o poder é reconfigurado por trás de muros de concreto e silêncio.
O “cofre” do sistema federal
Mossoró é uma das cinco penitenciárias federais de segurança máxima do país, ao lado das unidades de Catanduvas (PR), Campo Grande (MS), Porto Velho (RO) e Brasília (DF).
Criado em 2009, o presídio é pensado como cofre do Estado: abriga os detentos considerados mais perigosos, capazes de ordenar ataques, rebeliões ou liderar facções à distância.
Segundo o Ministério da Justiça, um preso só pode ser enviado a uma unidade federal se preencher requisitos rigorosos definidos pela Lei nº 11.671/2008:
liderar ou integrar organização criminosa;
ter tentado fuga ou ameaçado autoridades;
representar risco à segurança do presídio de origem;
ou estar em situação que justifique isolamento temporário, para manter a ordem pública. Em teoria, é uma medida excepcional.
Na prática, Mossoró recebe dezenas de presos a cada ano vindos de outros estados, quase sempre após grandes operações ou crises de segurança.
O caminho do Rio até o sertão potiguar
A megaoperação desta semana no Rio reacende um padrão já conhecido:
quando as forças estaduais fazem prisões de alto escalão — especialmente líderes de facções como o Comando Vermelho (CV) ou o Terceiro Comando Puro (TCP) — o sistema penitenciário pede reforço ao governo federal, e o destino mais provável é Mossoró.
Foi assim em 2019, quando o Ceará viveu uma onda de ataques ordenada por chefes do CV; quinze deles foram transferidos para Mossoró.
E novamente em 2024, quando 27 integrantes do PCC foram levados para a unidade potiguar após movimentações suspeitas em presídios paulistas e brasilienses.
Agora, com o Rio em estado de guerra, a engrenagem tende a se repetir: presos recém-capturados nas favelas cariocas — especialmente se apontados como mandantes ou articuladores — podem ser incluídos na lista de transferência.
É o reflexo natural de uma ofensiva que tenta mostrar controle, mesmo que o resultado pareça mais político do que prático.
Por que Mossoró?
A escolha do destino não é aleatória. Mossoró está longe dos grandes centros urbanos e das áreas de influência direta das facções.
O isolamento geográfico é considerado um fator de segurança: dificulta visitas, comunicação e corrupção de agentes locais.
O presídio é projetado para neutralizar lideranças — celas individuais, rotina mínima de contato, vigilância 24 horas.
É o oposto da superlotação que marca o sistema estadual. Cada transferência para Mossoró é, simbolicamente, uma retirada de poder: o Estado “tira de circulação” o inimigo e o coloca fora do alcance do próprio território de origem. Mas esse distanciamento também tem um custo.
Familiares enfrentam viagens longas e caras para visitas; advogados denunciam falta de acesso; e o isolamento extremo pode gerar novas tensões internas. A cada movimento de controle, o sistema produz novos fantasmas.
Um país que transfere o problema
Há algo de irônico no modelo brasileiro: quando a violência atinge níveis insustentáveis, a resposta é transferir o epicentro, não resolver o núcleo.
O Rio vive um colapso de segurança pública, mas a “solução” imediata é enviar seus presos para o Nordeste. Mossoró, por sua vez, herda a responsabilidade — e o risco — de abrigar a elite do crime organizado nacional.
A cada avião que pousa no aeroporto de Mossoró com novos detentos, uma pergunta fica suspensa no ar:
estamos combatendo o crime ou apenas redistribuindo o medo?
Entre a guerra e o silêncio
A ofensiva no Rio e a iminente chegada de presos em Mossoró fazem parte da mesma narrativa: o Estado em guerra contra o próprio fracasso.
De um lado, o espetáculo das favelas sitiadas; de outro, o silêncio das celas federais. Ambos são faces do mesmo mecanismo — o da segurança que se faz visível pela violência e invisível pela distância. Mossoró é a prova concreta de que o Brasil não resolve seus conflitos: apenas os transfere de endereço.
blogdodina
















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